O ATENTADO DE CAMARATE: JUSTIÇA DESCREDIBILIZOU
CONFISSÕES DOS DOIS PRINCIPAIS SUSPEITOS
Mas vejamos
as declarações que José Esteves fez a este blogue colhidas durante a
apresentação do livro«Camarate Sá Carneiro e as Armas para o Irão» da
autoria do jornalista Frederico Duarte Carvalho:
«Recebi 200
mil dólares de Frank Sturgis ( espião a soldo da CIA) para fabricar a
bomba incendiária colocada no avião em que Sá Carneiro viajou. O encontro
teve lugar num iate ao largo de Cascais».E Esteves fabricou a bomba mas,
segundo referiu,desconhecia qual o «’destinatário» da mesma.No dia 4 terá
ficado surpreendido quando soube da queda do Cessna em Camarate.
A sessão
contou com a presença de Jim Hunt, sobrinho de Frank Sturgis, o homem dado
como sendo o intermediário da CIA que tinha por missão contratar os
operacionais para o atentado que vitimou o então primeiro ministro e o ministro
da Defesa. Reportando-se a documentos que descobriu na posse do tio, Hunt
não descarta a possibilidade do envolvimento de Sturgis nos acontecimentos que
tiveram lugar há 32 anos atrás em Camarate. Convicção que se tornou mais
credível ao visitar esta semana na prisão Fernando Farinha Simões, um dos
outros suspeitos que divulgou recentemente uma confissão sobre o seu
envolvimento no incidente e na qual refere ter sido ele também
«contratado» por Sturgis para executar o crime. Jim Hunt lembrou a vida de
«guerreiro» do tio ( este foi o nome que ele deu a um livro que escreveu sobre
a vida do seu familiar), desde o apoio à guerrilha de Fidel Castro em Cuba, ao
volte face ideológico que o levou a conspirar o assassínio do carismático líder
cubano, as suspeitas de ligação ao grupo que executou o presidente John Kennedy
e, posteriormente, ter integrado o duo de agentes da CIA que tomou de assalto o
edifício Watergate e que resultou na queda de Nixon.
O livro de
Frederico Carvalho publica duas fotos documentando a presença de
Sturgis em Portugal.Numa das quais,em 1977, na varanda do hotel Ritz.Numa
outra, datada de 1981,o «espião americano participa num encontro com Daniel
Chipenda, na altura, a militar na FNLA,preparatório de um outro
com Fernando Farinha Simões e que teve o objectivo preparar um golpe de Estado
em Angola. Operação Kubango, assim se chamava essa operação que teria por
finalidade distanciar Angola da órbita soviético/cubana. Mais tarde, a
mando do embaixador Carlucci ( o «patrão» da CIA em Portugal, é assim que F.
Simões o caracteriza)), Sturgis terá contratado José Esteves e Farinha Simões
para executar o atentado que vitimou Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa. Os
dois governantes estavam na posse de dossiers comprometedores sobre o
envolvimento de personalidades portuguesas no tráfico de armas para o Irão (
tráfico que era financiado pelo chamado Fundo de Desenvolvimento do Ultramar,
um «saco azul» criado durante a guerra colonial) e isso incomodava os «falcões»
da administração americana.
Para os
interessados, recomendamos a audição da excelente e contundente entrevista
que Frederico Duarte Carvalho deu hoje,4 de Dezembro,à Antena Um sobre a
tragédia de Camarate:
Recordamos,em
seguida, o que disse Fernando Farinha Simões na sua confissão sobre este
«complot» maquiavélico que esteve na génese do atentado de Camarate em 4
de Dezembro de 1980, onde fala na CIA, Carlucci, Frank Sturgis,conselheiros da
Revolução e… Francisco Pinto Balsemão, que viria suceder a Sá Carneiro e
que fora apanhado de surpresa pelos factos quando se encontrava naquela noite
no Porto:
«Em meados
de 1980, Frank Carlucci refere-me, por alto, e pela primeira vez, que eu iria
ser encarregue de fazer um “trabalho” de importância máxima e prioritária em
Portugal, com a ajuda dele, da CIA, e da Embaixada dos EUA em Portugal,
sendo-me dado, para esse efeito, todo o apoio necessário.
Tenho
depois reuniões em Lisboa, com o agente da CIA, Frank Sturgies, que conheço
pela primeira vez. Frank Sturgies é uma pessoa de aspecto sinistro e com grande
frieza, e é organizador das forças anti-castristas, sediadas em Miami, e é elo
de ligação com os “contra” da Nicarágua. Frank Sturgies refere-me então, que
está em marcha um plano para afastar, definitivamente, (entenda-se eliminar)
uma pessoa importante, ligada ao Governo Português de então, sem dizer contudo
ainda nomes.
Algum
tempo depois, possívelmente em Setembro ou Outubro de 1980, jogo ténis com
Frank Cariucci quase toda a tarde, na antiga residência do embaixador dos EUA,
na Lapa. Janto depois com ele, onde Frank Cartucci refere novamente que existem
problemas em Portugal para a venda e transporte de armas, e que Francisco Sá
Carneiro não era uma pessoa querida dos EUA. Depois já na sobremesa, juntam-se
a nós o General Diogo Neto, o Coronel Vinhas, o Coronel Robocho Vaz e Paulo Cardoso,
onde se refere novamente a necessidade de se afastarem alguns obstáculos
existentes ao negócio de armas. Todos estes elementos referem a Frank Caducci
que eu sou a pessoa indicada para a preparação e implementação desta operação.
Em
Outubro de 1980, num juntar no Hotel Sheraton onde participo eu, Frank Sturgies
(CIA), Vilfred Navarro (CIA), o General Diogo Neto e o Coronel Vinhas (já
falecidos), onde se refere que há entraves ao tráfico de armas que têm de ser
removidos. Depois há um outro jatar também no Hotel Sharaton, onde participam,
entre outros, eu e o Coronel Oliver North, onde este diz claramente que “é
preciso limar algumas arestas” e “se houver necessidade de se tirar aguém do
caminho, tira-se”, dando portanto a entender que haverá que eliminar pessoas
que criam problemas aos negócios de venda de armas. Oliver North diz-me também
que está a ter problemas com a sua própria organização, e que teme que o possam
querer afastar e “deixar cair”, o que acabou por acontecer.
Há
também Portugueses que estavam a benificiar com o tráfico de armas, como o
Major Canto e Castro, o General Pezarat Correia, Franco Charais e o empresário
Zoio. Sabe-se também já nessa altura que Adelino Amaro da Costa estava a tentar
acabar com o tráfico de armas, a investigar o fundo de desenvolvimento do
Ultramar, e a tentar acabar acabar com lobbies instalados. Afastar essas duas
pessoas pela via política era impossível, pois a AD tinha ganho as eleições.
Restava portanto a via de um atentado.
Passados
alguns dias, recebo um telefonema do Major Canto e Castro (pertencente ao
conselho da revolução), que eu já conhecia de Angola, pedindo para eu me
encontrar com ele no Hotel Altis. Nessa reunião está também Frank Sturgies, e
fala-se pela primeira vez em “atentado”, sem se referirem ainda quem é o alvo.
referem que contam comigo para esta operação. O Major Canto e Castro diz que é
preciso recrutar alguém capaz de realizar esta operação.
Tenho depois
uma segunda reunião no Hotel Altis com Frank Sturgies e Philip Snell, onde
Frank Sturgies me encarrega de preparar e arranjar alguns operacionais para uma
possível operação dentro de pouco tempo, possívelmente dentro de 2 ou 3 meses.
Perguntam-me se já recrutou a pessoa certa para realizar este atentado, e se eu
conheço algum perito na fabricação de bombas e em armas de fogo. Respondo que
em Espanha arranjaria alguém da ETA para vir cá fazer o atentado, se tal fosse
necessário. Quem paga a operação e a preparação do atentado é a Cia e o Major
Canto e Castro. Canto e Castro colabora na altura com os serviços Secretos
Franceses, para onde entrou através do sogro na época. O sogro era de
Nacionalidade Belga, que trabalhava para a SDEC, os serviços de inteligência
franceses, em 1979 e 1980. Canto e Castro casou com uma das suas filhas, quando
estava em Luanda, em Angola, ao serviço da Força Aérea Portuguesa. Em Luanda,
Canto e Castro vivia perto de mim.
Tendo
que organizar esta operação, falo então com José Esteves e mais tarde com
Lee Rodrigues ( que na altura ainda não conhecia). O elo de ligação de Lee
Rodrigues em Lisboa era Evo Fernandes, que estava ligado à resistância
moçambicana, a renamo. Falo nessa altura também com duas pessoas ligadas à ETA
militar, para caso do atentado ser realizado através de armas de fogo.
Depois,
noutro jantar em casa de Frank Carlucci, na Lapa, na Mansarda, no último andar,
onde jantamos os dois sozinhos, Frank Carlucci diz abertamente e pela primeira
vez, o que eu tinha de fazer, qual era a operação em curso e que esta visava
Adelino Amaro da Costa, que estava a dificultar o transporte e venda de
armas a partir de Portugal ou que passavam em Portugal, e que havia luz verde
dada por Henry Kissinger e Oliver North. Cumprimento ambos, referindo que sou
“o homem deles em Lisboa”.
Três
semanas antes dos atentado, Canto e Castro e Frank Surgies, referem pela
primeira vez, que o alvo do atentado é Adelino Amaro da Costa. O Major Canto e
Castro afirma que irá viajar para Londres. Frank Sturgies pede-me que obtenha
um cartão de acesso ao aeroporto para um tal Lee Rodrigues, que é referido como
sendo a pessoa que levará e colocará a bomba no avião.
Recebo
depois um telefonema de Canto e Castro, referindo que está em Londres e para eu
ir ter lá com ele. Refere-me que o meu bilhete está numa agência de viagens
situada na Av. da Republica , junto à pastelaria Ceuta. Chegado a Londres fico
no Hotel Grosvenor, ao pé de Victoria Station. Canto e Castro vai buscar-me e
leva-me a uma casa perto do Hotel, onde me mostra pela primeira vez, o
material, incluindo explosivos, que servirão para confeccionar a “bomba” nesta
operação. Essa casa em Londres, era ao mesmo tempo residência e consultório de
um dentista indiano, amigo de Canto e Castro, Canto e Castro refere-me que esse
material será levado para Portugal pela sua companheira Juanita Valderrama. O
Major Canto e Castro pede-me então que vá ao Hotel Altis recolher o material.
Vou então ao Hotel acompanhado de José esteves, e recebemos uma mala e uma
carta da senhora Juanita, José Esteves prepara então uma bomba destinada a um avião,
com esses materiais, com a ajuda de Carlos Miranda.
O
Major Canto e Castro volta depois de Londres, encontra-se comigo, e digo-lhe
que a bomba está montada. Lee Rodrigues é-me apresentado pelo Major Canto e
Castro. Alguns dias depois Lee Rodrigues telefona-me e encontramo-nos para
jantar no restaurante galeto, junto ao Saldanha, juntamente com Canto e Castro,
onde aparece também Evo Fernandes, que era o contacto de Lee Rodrigues em
Lisboa. Fora Evo Fernandes que apresentara Lee Rodrigues a Canto e Castro. Lee
Rofrigues era moçambicano e tinha ligações à Renamo. Nesse jantar alinham-se
pormenores sobre o atentado. Canto e Castro refere contudo nesse jantar que o
atentado será realizado em Angola. Perante esta afirmação, pergunto se ele está
a falar a sério ou a brincar, e se me acha com “cara de palhaço”- fazendo
tenção de me levantar. Refiro que, através de Frank Carlueci, já estava a par
de tudo. Lee Rodrigues pede calma, referindo depois Canto e Castro que
desconhecia que eu já estava a par de tudo, mas que sendo assim nada mais havia
a esconder.
Possivelmente
em Novembro, é-me solicitado por Philip Snell que participe numa reunião em
Cascais, num iate junto á antiga marina (na altura não existia a actual
marina). Vou e levo comigo José Esteves. Essa reunião tem lugar entre as 20 e
as 23 horas, nela participando Philips Snell, Oliver North, Frank Sturgies,
Sydral e Lee Rodrigues e mais cerca de 2 ou 3 estrangeiros, que julgo serem
americanos. Nesta reunião é referido que há que preparar com cuidado a operação
que será para breve, e falam-se de pormenores a ter em atenção. É
referido também os cuidados que devem ser realizados depois da operação,
e o que fazer se algo correr mal. A língua utilizada na reunião é o Inglés.
José Esteves recebeu então USD 200.000 pelo seu futuro trabalho. Eu não recebi
nada pois já era pago normalmente pela CIA. Eu nessa altura recebia da CIA o
equivalente a cinco mil dólares, dispondo também de dois cartões de crédito
Diner’s Club e Visa Gold, ambos com plafonds de 10.000 Doláres.
Lee
Rodrigues pede-me então que arranje um cartão para José Esteves entrar no
aeroporto.
Para este
efeito, obtenho um cartão forjado, na mouraria, em Lisboa, numa tipografia que
hoje já não existe. Lee rodrigues diz-me também que irá obter uma farda de
piloto numa loja ao pé do Coliseu, na Rua das Portas de Santo Antão. A meu
pedido, João Pedro Dias, que era carteirista, arranja também um cartão para Lee
Rodrigues. Este cartão foi obtido por João Pedro Dias, roubando o cartão de
Miguel Wahnon, que era funcionário da TAP.
Apenas
foi necessário mudar-se a fotografia desse cartão, colocando a fotografia de
Lee Rodrigues.
José
Esteves prepara então em sua casa no Cacém, um engenho para o atentado.
Conta com a colaboração de outro operacional chamado Carlos Miranda,
expecialista em explosivos, que é recrutado por mim, e que eu já conhecia de
Angola, quando Carlos Miranda era comandante da FNLA e depois CODECO em
Portugal. José Esteves foi também um dos principais comandantes da FNLA, indo
muitas vezes a Kinshasa.
Depois
do artefacto estar pronto, vou novamente a Paris. No Hotel Ritz, à tarde, tenho
um encontro com Oliver North, o cor. Wilkison e Philip Snell, onde se refere
que o alvo a abater era Adelino Amaro da Costa, Ministro da Defesa.
Volto a
Portugal, cerca de 5 ou 6 dias antes do atentado. É marcado por Oliver North um
jantar no hotel Sheraton. Nesse jantar aparece e participa um indivíduo que não
conhecia e que me é apresentado por Oliver North , chamado Penaguião. Penaguião
afirma ser segurança pessoal de Sá Carneiro. Oliver North refere que Penaguião
faz parte da segurança pessoal de Sá Carneiro e que é o homem que conseguirá
meter Sá Carneiro no Avião. Penaguião afirma, de forma fria e directa que sá
Carneiro também iria no avião, “pois dessa forma matavam dois coelhos de uma
cajadada! ” Afirma que a sua eliminação era necessária, uma vez que Sá Carneiro
era anti-americano, e apoiava incondicionalmente Adelino Amaro da Costa na
denúncia do trático de armas e na descoberta do chamado saco azul do Fundo de
Defesa do Ultramar, pelo que tudo estava, desde o início, preparado para
incluir as duas pessoas. Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa. Fico muito
receoso, pois só nesse momento fiquei a conhecer a inclusão de Sá Carneiro no
atentado. Pergunto a Penaguião como é que ele pode ter a certeza de que Sá
Carneiro irá no avião, ao que Penaguião responde de que eu não me preocupasse
pois que ele, com mais alguém, se encarregaria de colocar Sá Carneiro naquele
avião naquele dia e naquela hora, pois ele coordenava a segurança e a sua
palavra era sempre escutadda. No final do jantar, juntam-se a nós três o
General Diogo Neto e o Coronel Vinhas.
Fico
estarrecido com esta nova informação sobre Sá Carneiro, e decido ir, nessa
mesma noite, à residência do embaixador dos EUA, na Lapa, onde estava Frank
Carlucci, a quem conto o que ouvi. Frank Carlucci responde que não me
preocupasse, pois este plano já estava determinado há muito tempo. Disse-me que
o homem dos EUA era Mário Soares, e que Sá Carneiro, devido à sua maneira de
ser, teimoso e anti-americano, não servia os interesses estratégicos dos EUA.
Mário Soares seria o futuro apoio da política americana em Portugal, junto com
outros lideres do PSD e do PS. Aceito então esta situação, uma vez que Frank
Carlucci já me havia dito antes que tudo estava assegurado, inclusivamente se
algo corresse mal, como a minha saída de Portugal, a cobertura total para mim e
para mais alguém que eu indicasse, e que pudesse vir a estar em perigo. Isto é
a usual “realpolitik” dos Estados Unidos, e suspeito que sempre será.
Três
dias antes do atentado há uma nova reunião, na Rua das Pretas no Palácio
Roquete, onde participam Canto e Castro, Farinha Simões, Lee Rodrigues, José
esteves e Carlos Miranda. Carlos Miranda colaborou na montagem do engenho
explosivo com José Esteves, tendo ido várias vezes a casa de José esteves.
Nessa reunião são acertados os últimos pormenores do atentado. Nessa reunião,
Lee Rodrigues diz que ele está preparado para a operação e Canto e Castro diz
que o atentado será a 3 ou 4 de Dezembro. Nessa reunião é dito que o alvo
é Adelino Amaro da Costa. No dia seguinte encontramo-nos com Canto e Castro no
Hotel Sheraton, e vamos jantar ao restaurante “O Polícia”.
No dia
4 de Dezembro, telefono de um telefone no Areeiro, para o Sr. William
Hasselberg, na Embaixada dos EUA, para confirmar que o atentado é para
realizar, tendo-me este referido que sim. Desse modo, à tarde, José Esteves
traz uma mala a minha casa, e vamos os dois para o aeroporto. Conduzo José esteves
ao aeroporto, num BMW do José Esteves.
Já no
aeroporto, José Esteves e eu entramos no aeroporto, por uma porta lateral,
junto a um posto da Guarda Fiscal, utilizando o cartão forjado, anteriormente
referido. Depois José Esteves desloca-se e entrega a mala, com o engenho, a Lee
Rodrigues, que aparece com uma farda de piloto e é também visto por mim. Depois
de cerca de 15 minutos, sai já sem a mala, e sai comigo do aeroporto.
Separamo-nos, mas mais tarde José esteves encontra-se novamente comigo no cabeleireiro
Bacta, no centro comercial Alvalade.
Depois José
esteves aparece em minha casa com a companheira da época, de nome Gina, e com
um saco de roupa para lá ficar por precaução. Ouvimos depois o noticiário das
20 horas na televisão, e José Esteves fica muito surpreendido, pois não sabia
que Sá Carneiro também ia no avião.
Afirma
que fomos enganados. Telefona então para Lencastre Bernardo, que tinha grandes
ligações à PJ e à PJ Militar, e uma Ligação ao General Eanes, Lencastre
Bernardo tem também ligações a Canto e Castro, Pezarat Correia, Charais, ao
empresário Zoio a José António Avelar que era ex-braço direito de Canto e
Castro. José Esteves telefona-lhe, e pede para se encontrar com ele. Este
aceita, pelo que, pelas 23 horas, José Esteves, eu, e a minha mulher Elza,
dirigimo-nos para a Rua Gomes Freire, na PJ, para falar com ele. José Esteves
sobe para falar com Lencastre Bernardo que lhe tinha dito que não se
preocupasse, pois nada lhe sucederia. Passámos contudo por casa de José Esteves
pois este temia que aí houvesse já um conjunto de polícias à sua procura,
devido a considerarem que ele estava associado à queda do avião em Camarate.
José Esteves ficou assim aliviado por verificar que não existia aparato
policial à porta de sua casa. Vem contudo dormir para minha casa.
Alguns dias
depois falei novamente com Frank Carlucci. A quem manifestei o meu
desconhecimento e ter ficado chocado por ter sabido, depois de o avião ter
caído, que acompanhantes e familiares do Primeiro Ministro e do Ministro da
Defesa também tinham ido no Avião. Frank Carlucci respondeu-me que compreendia
a minha posição, mas que também ele desconhecia que iriam outras pessoas no
avião, mas que agora já nada se podia fazer.
Em
1981, encontro-me com Victor Pereira, na altura agente da Polícia Judiciaria,
no restaurante Galeto, em Lisboa. Conto a Victor Pereira que alguns dos
atentados estão atribuidos às Brigadas Revolucionárias, relacionados com
a colocação de bombas, foram porém efectuadas pelo José Esteves, como
foram os casos dos atentados à bomba na Embaixada de Angola, de Cuba ( esta
última com conhecimento de Ramiro Moreira), na casa de Torres Couto, na casa do
prof. Diogo Freitas do Amaral, na casa do Eng. Lopes Cardoso, e na casa de
Vasco Montez, a pedido deste, junto ao Jumbo em Cascais, para obter
sencionalismo á época, tendo José Esteves espalhado panfletos iguais aos da
FP25. Não falei então com Victor Pereira de camarate. Tomei conhecimento no
entanto que Victor Pereira, no dia 4 de Dezembro de 1980, tendo ido nessa noite
ao aeroporto da Portela, como agente da PJ, encontrou a mala que era
transportada pelo eng. Adelino Amaro da Costa. Nessa mala estavam documentos
referentes ao tráfico de armas e de pessoas envolvidas com o Fundo de
defesa do Ultramar. Salvo erro, Victor Pereira entregou essa mala ao inspector
da PJ Pedro Amaral, que por sua vez a entregou na PJ. Disse-me então Victor
Pereira que essa mala, de maior importância no caso de Camarate, pelas
informações que continha, e que podiam explicar os motivos e as pessoas por
detrás deste atentado, nunca mais voltou a aparecer. Esta informação
foi-me transmitida por Victor Pereira, quando esteve preso comigo na prisão de
Sintra, em 1986. Não referi então a Victor Pereira que, como descrevo a seguir,
eu tinha já tido contacto com essa mala, em finais de 1982, pelo facto de
trabalhar com os serviços secretos na Embaixada dos EUA.
Também
em 1981, uns meses depois do atentado, eu e o José Esteves fomos ter com o
Major Lencastre Bernardo, na Polícia Judiciária, na Rua Gomes Freire. Com
efeito, tanto o José Esteves como eu, andávamos com medo do que nos podia
suceder por causa do nosso envolvimento no atentado de Camarate, e queríamos
saber o que se passava com a nossa protecção por causa de Camarate. Eu não
participo na reunião, fico à porta. Contudo José Esteves diz-me depois que
nessa conversa Lencastre Bernardo lhe referiu que, numa anterior conversa com
Francisco Pinto Balsemão, este lhe havia dito ter tido conhecimento prévio do
atentado de Camarate, pois em Outubro de 1980, Kissinger o informou de que essa
operação ia ocorrer. Disse-lhe também que ele próprio tinha tido conhecimento
prévio do atentado de Camarate. Disse-lhe ainda que podíamos estar sossegados
quanto a Camarate, pois não ia haver problemas connosco, pois a investigação
deste caso ia morrer sem consequências.
A este
respeito gostaria de acrescentar que numa reunião que tive, a sós, em 1986, com
Lencastre Bernardo, num restaurante ao pé do edifício da PJ na Rua Gomes
Freire, ele garantiu-me que Pinto Balsemão estava a par do que se ia passar em
4 de Dezembro. No restaurante Fouchet’s, em Paris, Kissinger tinha-me dito,
“por alto”, que o futuro Primeiro Ministro de Portugal seria Pinto Balsemão. E
importante referir que tanto Henry Kissinger como Pinto Balsemão eram já, em
1980, membros destacados do grupo Bilderberg, sendo certo que estas duas
pessoas levavam convidados às reuniões anuais desta organização.
Deste
modo, aquando da conversa com Lencastre Bernardo, em 1986, relacionei o que ele
me disse sobre Pinto Balsemão, com o que tinha ouvido em Paris, em 1980. Tive
também esta informação, mais tarde, em 1993, numa conversa que tive com William
Hasselberg, em Lisboa, quando este me confirmou de que Pinto Balsemão estava a
par de tudo.
Em
finais de 1982, pelas informações que vou obtendo na Embaixada dos EUA, em
Lisboa, verifico que se fala de nomes concretos de personalidades americanas
com tendo estado envolvidas em tráfico de armas que passava por Portugal.
Pergunto então a William Hasselberg como sabem destes nomes. Ao fim de muitas
insistências minhas, William Hasselberg acaba por me dizer que a Pj entregou,
na embaixada dos EUA, uma mala com os documentos transportados por Adelino
Amaro da Costa, em 4 de Dezembro de 1980, e que ficou junto aos destroços do
avião, embora não me tenha dito quem foi a pessoa da PJ que entregou esses
documentos. Peço então a William Hasselberg que me deixe consultar essa mala,
uma vez que faço também parte da equipa da CIA em Portugal. Ele aceita, e pude
assim consultar os documentos aí existentes. que consistiam em cerca de 200
páginas. Pude assim consultar este Dossier durante cerca de uma semana, tendo-o
lido várias vezes, e resumido, à mão, as principais partes, uma vez que não
tinha como fotografa-lo ou copia-lo.
Vejo então,
que apesar do desastre do avião, e da pasta de Avelino Amaro da Costa ter
ficado queimada, e ter sido substituida por outra, os documentos estavam
intactos. Estes documentos continham uma lista de compra de armas, que incluia
nomeadamente RPG-7, RPG-27, G3, lança granadas, dilagramas, munições,
granadas, minas, rádios, explosivos de plástico, fardas, kalashiskovs AK-47 e
obuses. Referia-se também nesses documentos que para se iludir as pistas, as
vendas ilegais de armas eram feitas através de empresas de fachada, com os
caixotes a referir que a carga se tratava de equipamentos técnicos, e peças
sobresselentes para maquinas agrículas e para a construção civil. Esta forma de
transportar armas foi-me confirmada várias vezes por Oliver North, no decorrer
da década de 80, até 1988, e quando estive em Ilopango, no El Salvador, também
na década de 80, verifiquei que era verdade.
Nestes
documentos lembro-me de ver que algumas armas vinham da empresa portuguesa
Braço de Prata, bem como referências de vendas de armas de Portugal e de países
de Leste, como a Polónia e a Bulgária, com destino para a Nicarágua, Irão, El
Salvador, Colombia, Panamá, bem como para alguns países Africanos que estavam
em guerra, como Angola, ANC da África do Sul, Nigéria, Mali, Zimbawe, Quénia,
Somália, Líbia, etc. Está também claramente referido nesses documentos que a
venda de armas é feita atraves da empresa criada em Portugal chamada
“Supermarket” (que operava através da empresa mãe “Black – Eagle”).
Nos
referidos documentos ví também que as vendas de armas eram legais através de
empresas portuguesas, mas também havia vendas de armas ilegais feitas por
empresas de fachada, com a lavagem de dinheiro em bancos suíços e “off-shores”
em nome dos detentores das contas, tanto pessoas civis como militares.
As
vendas ilegais de armas ocuriam por várias razões, nomeadamente: Em primeiro
lugar muitos dos paises de destino, tinham oficialmente sanções e embargos de
armas. Em segundo lugar os EUA não queriam oficialmente apoiar ou vender armas
a certos países, nomeadamente aos contra da Nicarágua, ou ao Irão e ao Iraque,
a quem vendiam armas ao mesmo tempo, e sem conhecimento de ambos. Em terceiro
lugar a venda de armas ilegal é mais rentável e foge aos impostos. Em quanto
lugar a venda de armas ilegal permite o branqueamento de capitais, que depois
podiam ser aproveitados para outros fins.
Entre
os nomes que vi referidos nestes documentos figuravam:
- José
Avelino Avelar
-
Coronel Vinhas
-
General Diogo Neto
-
Major Canto e Castro
-
Empresário Zoio
-
General Pezarat Correia
-
General Franco Charais
-
General Costa Gomes
-
Major Lencastre Bernardo
-
Coronel Robocho Vaz
-
Francisco Pinto Balsemão
Francisco
Balsemão e Lencastre Bernardo eram referidos como elementos de ligação ao grupo
Bildeberg e a Henry Kissinger, Francisco Balsemão pertence também à loja
maçónica “Pilgrim”, que é anglo-saxónica, e dependente do grupo Bildeberg.
Lencastre Bernardo tinha também assinalada a sua ligação a alguns serviços de
inteligência, visto ele ser, nos anos 80, o coordenador na PJ e na Polícia
Judiciária Militar.
Entre
as empresas Portuguesas que realizavam as vendas de armas atrás referidas,
entre os anos 1974 e 1980, estavam referidas neste Dossier:
-
Fundição de Oeiras (morteiros, obuses e granadas)
-
Cometna (engenhos explosivos e bombas)
- OGMA
(Oficinas Gerais Militares de Fardamento e OGFE (Oficinas de Fardamento do
Exercito)
-
Browning Viana S.A.
- A.
Paukner Lda, que existe desde 1966
-
Explosivos da trafaria
- SPEL
(Explosivos)
-
INDEP (armamento ligeiro e monições)
-
Montagrex Lda, que actuava desde 1977, com Canto e Castro e António José
Avelar. Só foi contudo oficialmene constituida em 1984, deixando, nessa altura,
Canto e Castro de fora, para não o comprometer com a operação de Camarate. A
Montagrex Lda operava no Campo Poqueno, e era liderada por António Avelar que
era o braço direito de Canto e Castro e também sócio dessa empresa. O
escritório dessa empresa no Campo Pequeno é um autentico “bunker”, com portas
blindadas, sensores, alarmes, códigos nas portas, etc.
Canto
e Castro e António Avelar são também sócios da empresa inglesa BAE – Systems,
sediada no Reino Unido. Esta empresa vede sistemas de defesa, artilharia,
mísseis, munições, armas submarinas, minas e sobretudo sistemas de defesa
anti-mísseis para barcos.
Todos
estes negócios eram feitos, na sua maior parte, por ajuste directo, através de
brokers – intermediarios, que recebiam as suas comissões, pagas por oficiais do
Exército, Marinha, Aeronáutica, etc.
Nestes
documentos era referido que, como consequência desta vendas de armas, gerava-se
um fluxo considerável de dinheiro, a partir destas exportações, legais e
ilegais. Estes documentos referiam também a quem eram vendidas estas armas,
sobretudo a países em guerra, ou ligados ao terrorismo internacional. Era
também referido que todas estas vendas de armas eram feitas com a conivência da
autoridade da época, nomeadamente militares como o General Costa Gomes, o
General Rosa Coutinho (venda de armas a Angola) e o próprio Major Otelo Saraiva
de Carvalho ( venda de armas a Moçambique). Vi várias vezes o nome de Rosa
Coutinho nestes documentos, que nas vendas de armas para Angola utilizava como
intermediário o general reformado angolano, José Pedro Castro, bastante ligado
ao MPLA, que hoje dispõe de uma fortuna avaliada em mais de 500 milhões de USD,
e que dividia o seu tempo entre Angola, Portugal e Paris. O seu filho, Bruno
Castro é director adjunto do Banco BIC em Angola.
No
referido dossier estavam também referidos outros militares envolvidos neste
negócio de armas, nomeadamente o Capitão Dinis de Almeida, o Coronel Corvacho,
o Vera Gomes e Carlos Fabião.
Todas
estas pessoas obtinham lucros fabulosos com estes negócios, muitas vezes mesmo
antes do 25 de Abril de 1974 e até 1980. Era referido que estas pessoas,
nomeadamente militares, que ajudavam nesta venda de armas, beneficiavam através
de comissões que recebiam. Estavam referidos neste Dossier os nomes de
“off-shores”, que eram usadas para pagar comissões às pessoas atrás referidas e
a outros estrangeiros, por Oliver North ou por outros enviados da CIA. Estas
“off-shores” detinham contas bancárias, sempre numeradas.
Esta
referência batia certo com o que Oliver North sempre me contou, de que o
negócio das armas se proporciona através de “off-shores” e bancos controlados
para a lavagem de dinheiro.
Vale a
pena a este respeito referir que no negócio das armas, empresas do sector das
obras públicas aparecem frequentemente associadas, como a Haliburton, a
Carlyle, ou a Blackwater, (empresa de armas, construção e mercenários), entre
outras. Esta relação está referida, há anos, em vários relatórios, nomeadamente
nos relatórios do Bribe Payer Index (indice internacional dos pagadores de
subornos), que é uma agencia americana. A indicação deste tipo de práticas foi
desenvolvida mais tarde, pela Transparency International e pelo Comité Norte
Americanos de Coordenação e Promoção do Comercio do Senado Americano, que
referem que há muitos anos , mais de 50% do negócio e comercio de armas em
Portugal, é feito através de subornos. Os americanos sempre usaram Portugal
para o tráfico de armas, fazendo também funcionar a Base das Lajes, nos Açores,
para este efeito, nomeadamente depois de 1973, aquando da guerra do Yom Kippur,
entre Israel e os países árabes. Este tráfico de armas deu origem a várias
contrapartidas financeiras, nomeadamente através da FLAD, que foi usada pela
CIA para este efeito. A FLAD recebeu diversos fundos específicos para a
requalificação de recursos humanos.
Não ví
contudo neste Dossier observações referindo referindo que estas vendas de armas
eram condenáveis ou que tinham efeitos negativos. Havia contudo uma pequena
nota, em que algumas folhas de que se devia tomar cuidade com tudo o que aí
estava escrito, e que portanto se devia actuar. Havia também na primeira página
um carimbo que dizia “confidentical and restricted”.
Estas
vendas de armas continuaram contudo depois de 1980. Tanto quanto eu sei, estas
vendas de armas continuaram a ser realizadas até 2004, embora com um
abrandamento importante a partir de 1984, a partir do escandalo das fardas
vendidas à Polónia.
No
referido Dossier estavam também referidas personalidades americanas envolvidas
no negócio de armas, nomeadamente Bush (Pai), dick Cheney, Frank Carlucci,
Donald Gregg, vários militares, bem como a empresas como a Blackwater. são
ainda referidas empresas ligadas aos EUA, como a Carlyle, Haliburton, Black
Eagle Enterprise, etc, que estavam a usar Portugal para os seus fins, tanto
pela passagem de armas através de portos portugueses, como pelo fornecimento de
armas a partir de empresas portuguesas. Tirei apontamentos desses documentos,
que ainda hoje tenho em meu poder.
1 A empresa
atrás referida, denominada supermarket, foi criada em Portugal em 1978, e
operava através da empresa mão, de nome Black-Eagle, dirigida por William
Casey, (membro do CFR(counceil for Foreign Affairs and Relations),
ex-embaixador dos EUA nas Honduras e também com ligações à CIA). A empresa
supermarker organizava a compra de armas de fabrico soviético, através de
Portugal, bem como a compra de armas e munições portuguesas, referidas
anteriormente, com toda a cumplicidade de Oliver North. Estas armas iam para
entrepostos nas Honduras, antes de serem enviadas para os seus destinos finais.
Oliver North pagou muitas facturas destas compras em Portugal, através de uma
empresa chamada Gretsh World, que servia de fachada à Supermarket. Mais tarde,
cerca de 1985, quando se começou muito a falar de camarate, Oliver North
cancelou a operação “Supermarket, e fechou todas as contas bancárias.
Devo
ainda referir que William Hasselberg e outros americanos da embaixada dos EUA,
em Lisboa, comentaram comigo, várias vezes o que estava escrito neste Dossier.
Relativamente
a Hasselberg isso era lógico, pois foi ele que me deu o Dossier a ler.
Posteriormente
comentei também o que estava escrito neste Dossier com Frank Carlucci, que
obviamente já tinha conhecimento da informação nele contida.
Tanto
William Hasselberg, como membro da CIA, como outros elementos da CIA atrás
referidos e outros, comentaram várias vezes comigo o envolvimento da CIA na
operação de Camarate e neste negócio de armas. Lembro-me nomeadamente que
quando alguém da CIA, me apresentava a outro elemento da Cia, dizia frequentemente
“this is the portuguese guy, the one from Camarate, the case in Portugal with
the plane!”.
As
vendas de armas, a partir e através de Portugal, foram realizadas ao longo
desses anos, pois era do interesse politico dos EUA. A CIA organizou e
implementou estas vendas de armas em Portugal, à semelhança do que sucedeu
noutros países, pois era crucial para os EUA que certs armas chegassem aos
países referidos, de forma não oficial, tendo para isso utilizados militares e
empresários Portugueses, que acabaram também por beneficiar dessas vendas.»
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